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Outubro 2019

Estilo de Vida

ESTILO DE VIDA

Entrevista com o fotógrafo Rui Cardoso

Portugal 

"Acho que o meu objectivo é sempre tentar condensar e interpretar um espaço, sempre atento à luz, à sombra e à sua capacidade diária de transfiguração de um espaço."

Português, arquiteto e fotógrafo, Rui Cardoso compartilha um pouco das suas experiências traduzidas em registros fotográficos relacionando o olhar arquitetônico com os espaços habitados. 

Quais os significados que você procura em uma foto?
 

Acho que antes de mais, qualquer fotografia e neste caso mais concreto de arquitectura, tem de responder a uma função/objectivo que não é mais do que uma representação de um espaço. Acho que este será sempre o propósito primordial da fotografia de arquitectura, responder a um pedido de interpretação de um espaço. Penso que não procuro um significado propriamente dito nas minhas fotos, antes uma tentativa de interpretação super atenta à arquitectura, ao detalhe, à materialidade, à procura de uma atmosfera, que reflita a essência do espaço tridimensional num meio bidimensional. Acho que o meu objectivo é sempre tentar condensar e interpretar um espaço, sempre atento à luz, à sombra e à sua capacidade diária de transfiguração de um espaço. Penso que esta abordagem é algo muito importante para mim e que eu valorizo imenso mas que faz com que tenhas que ter mais tempo para perceberes um espaço e para o fotografares. É impensável para mim fotografar uma casa numa só manhã ou numa tarde. Simplesmente não tens capacidade de percepção do espaço e da capacidade que a variação da luz tem para afectar o mesmo e as suas características e isto é fundamental para mim.

Quais são as suas principais referências para a fotografia?

As minhas principais referências directas são um pouco os fotógrafos da velha guarda como o Julius Schulman, o Ezra Stoller, o Baltazar Korab, o Lucien Hervé. São fotógrafos que fotografavam imenso a preto e branco e as suas imagens eram e continuam a ser super icónicas e especiais! São simplesmente um deleite para os olhos! Adoro também a fotografia da Hélène Binet  [1], é uma grande inspiração para mim e alguém absolutamente contra a corrente da imagem quase instantânea que se pratica hoje em dia. Sou grande fã do trabalho do Guido Guidi, Luigi Ghirri, Thomas Struth e do Andreas Gursky, entre outros!

A arquitetura portuguesa influenciou no seu estilo de fotografar?

É uma boa pergunta e uma bastante difícil. Eu estudei na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, desenhada pelo Siza Vieira [2] , onde convives diariamente com a sua omnipresença, que é algo que desperta muito o olhar, descobres sempre coisas novas, novos detalhes, alinhamentos que nunca antes tinhas descoberto. É um edifício bastante complexo mas que guardo com bastante nostalgia e carinho. Durante estes 5/6 anos de estudo convives diariamente com arquitectura ao mais alto nível, do Siza ao Souto de Moura, passando pelo Fernando Távora, entre outros. A faculdade tem uma grande tradição no desenho à mão, influência passada pelo Távora ao Siza, ao Souto de Moura e aos seus alunos que depois se tornaram nossos professores. Contudo, nunca gostei muito de desenhar, nunca tive muito prazer e não acho que fosse muito bom nisso e sempre que íamos a uma vista de estudo todos os meus colegas passavam o tempo a desenhar, a perceber o edifício, a sua proporção e escala, a sua volumetria. Eu, muito inconscientemente, sempre tive uma câmara fotográfica na mão, a velhinha câmara analógica do meu pai. Adorava tirar fotografias e usava-a para perceber a arquitectura! Acho que isto foi um ponto pivotal para mim, apesar de nunca o ter percebido na altura, pois permitiu-me desenvolver o meu olhar, perceber enquandramentos e acima de tudo compreender a arquitectura. Mais tarde, quando trabalhei com o arquitecto Manuel Aires Mateus, também acho que a sua arquitectura, a sua postura e os seus ensinamentos, também alteraram muito a minha maneira de ver e fotografar. O Manuel Aires Mateus sabe exactamente aquilo que quer numa fotografia a um edifício seu, o seu enquadramento e eu ter tido a oportunidade de ter fotografado imensas coisas do atelier e ter-lhe mostrado as minhas fotos e termos discutido e criticando-as ajudou-me imenso a evoluir.

Pode contar um pouco sobre a sua experiencia trabalhando no Atelier Aires Mateus e como você descobriu a fotografia?

A minha passagem no atelier, durante quase 4 anos, foi uma experiência altamente enriquecedora, que me fez evoluir imenso enquanto arquitecto e mais tarde fotógrafo que jamais esquecerei. Passei grandes momentos no atelier e fiz amigos para a vida! Quando trabalhas num atelier deste nível e estás rodeado de pessoas que têm 15/20 anos de experiência, que já trabalharam em quase todo o tipo de projectos possíveis e que estão dispostas a ensinar-te e tu a aprenderes, cresces imenso enquanto profissional e estou muito grato pela possibilidade. Depois, o Manuel é uma pessoa muito generosa, sempre predisposta a ajudar-te e com a qual tu aprendes imenso. Ele tem uma visão espacial como eu nunca vi, tá sempre uma passo à tua frente, como é natural, e tem um conhecimento de arquitectura enorme, é sempre uma aprendizagem diária. Além do mais ele é uma pessoa bastante relaxada, com a qual consegues ter uma óptima conversa. A fotografia sempre esteve presente na minha vida de uma maneira algo inconsciente. Como te disse, ela surgiu na faculdade, pela necessidade de compreender a arquitectura, a escala, as proporções e porque detestava desenhar. Durante o tempo que estive no atelier tive muitas oportunidade de ir fotografar edifícios, alguns já acabados, outros em obra e ao longo deste tempo fui montando uma espécie de portfólio fotográfico Aires Mateus, sem nunca ter o objectivo de tal. Quando me apercebi que tinha algumas fotografias e um corpo de trabalho que me agradava imprimi as fotos e sentei-me à mesa com o Manuel. Foi uma conversa muito enriquecedora e um ponto de transição, pois acho que foi neste momento em que decidi que queria seguir a fotografia!

O que o minimalismo representa em suas fotos? É uma consequência da arquitetura ou faz parte do seu estilo?

Não considero que as minhas fotos sejam minimalistas ou que tenha qualquer influência directa do minimalismo enquanto corrente artística. Claro que poderei ter algumas fotos geometricamente mais abstractas, mais simples, mais puras, quase mais de detalhe que outras mas não acho que sejam uma procura intencional, acho que será mais um reflexo da arquitectura. Por exemplo, quando penso no Centro de Convívio em Grândola, do Manuel Aires Mateus e o qual eu ainda não tive oportunidade de fotografar, é difícil não pensares numa imagem muito pura, muito simples, icónica mas que é uma consequência da simplicidade e pureza formal da arquitectura que depois é traduzida nas fotos. Falei do Centro de Convívio mas poderíamos falar de quase toda a obra dos Aires Mateus pois é uma arquitectura e uma procura de uma linguagem aparentemente muito simples, muito arquétipal e altamente abstracta.

Entrevista por: Murilo Mattiello Gabriele

Fotos: Rui Cardoso | Hélène Binet 

Website: rui-cardoso.com

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